Medida Provisória 1.171/2023 e o IRPF sobre rendimentos no exterior

3 de maio de 2023 Português

No dia 30 de abril, foi publicada a Medida Provisória 1.171/2023 com novidades e alterações na legislação tributária.

Como se sabe, a pessoa física que reside no Brasil pode ter rendimentos de fontes localizadas no país ou em territórios estrangeiros, indistintamente sujeitos ao imposto de renda.

As mudanças trazidas pela MP 1.171/2023 atingem as pessoas físicas residentes no Brasil, em relação à renda obtida no exterior. Vamos ao que muda.

Alíquotas do IRPF

As novas alíquotas do IRPF para esses rendimentos serão de: (i) 0% para a parcela de até R$ 6 mil/ano; (ii) 15% para a parcela de R$ 6 mil até R$ 50 mil; e (iii) 22,5% para a parcela acima de R$ 50 mil. A MP traz um aumento do imposto, que pela legislação atual incide a 22,5% somente para rendimentos acima de R$ 30 milhões, e uma redução para dividendos hoje sujeitos à tabela progressiva de 0%-27,5%. O ganho de capital de bens e direitos que não são aplicações financeiras continuam sujeitas às alíquotas e à disciplina atualmente em vigor.

Variação cambial e bens adquiridos como não residente

Atualmente, para os bens adquiridos originariamente em moeda estrangeira que são alienados (ou liquidados), o ganho de capital é a diferença positiva entre o custo de aquisição e o preço de alienação (liquidação) em dólares dos EUA. Na prática, essa forma impede a tributação da variação cambial.

Com a MP, a apuração de ganho de capital deverá sempre ser feita utilizando o Real, mesmo que o bem tenha sido adquirido em moeda estrangeira, com isso tributando a variação cambial ocorrida.

Além disso, passará a ser tributado o ganho de capital obtido em relação a bens adquiridos pela pessoa na condição de não residente.

Tributação automática de lucro de controladas

Uma das mudanças mais comentadas é em relação ao lucro de controladas.

Hoje, os lucros só são tributados quando distribuídos como dividendos, à tabela progressiva do IRPF (0%-27,5%), ou quando transferidos para os sócios de forma indireta, gerando ganho de capital, sujeito às alíquotas progressivas de 15%-22,5%.

A partir de 1º de janeiro de 2024, essa tributação muda apenas para as entidades controladas no exterior enquadradas em uma das seguintes condições: (i) estejam localizadas em paraíso fiscal ou sujeita a regime fiscal privilegiado; ou (ii) mais de 20% da sua renda total seja composta por renda passiva (royalties, juros, dividendos, aluguéis etc.).

Para as entidades controladas que se enquadrem em uma dessas duas hipóteses, o lucro deverá ser tributado quando apurado no encerramento do exercício, independentemente de distribuição, pelas alíquotas do IRPF indicadas no início.

O lucro será adicionado como custo de aquisição adicional do investimento na Declaração de Ajuste Anual da pessoa física. Quando distribuídos, o custo de aquisição será reduzido, sem nova tributação.

É prevista a possibilidade de deduzir os prejuízos apurados pela controlada (referentes a períodos posteriores à data de produção de efeitos da MP), a parcela de lucros e dividendos das investidas que sejam pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, e o imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas.

A MP define controlada não apenas pelo controle societário (preponderância nas decisões ou 50% ou mais do capital votante), mas também pelo controle econômico (direito a mais de 50% na percepção de lucros ou recebimento de ativos na liquidação).

A MP altera parcialmente o regime de caixa aplicado à tributação da renda da pessoa física e introduz regras anti-diferimento do imposto, em linha com as regras vigentes nos Estados Unidos para a Foreign Personal Holding Company Income e Passive Foreign Investment Company, por exemplo.

Essas mudanças se assemelham às promovidas pelo art. 74 da MP 2.158-35/2001, julgado inconstitucional em parte pelo STF na ADI 2.588.

Tributação de trusts

É também de grande relevância a instituição de regras específicas para a tributação de trusts, hoje inexistentes no ordenamento.

De forma resumida, o trust é uma relação jurídica entre o instituidor (settlor), que transfere bens e direitos para um fundo que será gerido por um administrador (trustee) em benefício de um ou mais beneficiários, que são as pessoas indicadas pelo instituidor para receber os bens e direitos do trust.

Pela MP, o instituidor continua como titular dos bens e direitos transferidos ao trust, que passarão para a titularidade dos beneficiários na distribuição ou no falecimento do instituidor.

A partir de 1º de janeiro de 2024, em relação a 31 de dezembro de 2023, o titular desses bens e direitos deverá declarar os bens e direitos do trust, individualizadamente (e não o trust), na Declaração de Ajuste Anual, pelo custo de aquisição. A partir dessa data, o titular deverá, também, oferecer à tributação os rendimentos e ganhos de capital correspondentes, pelas mesmas regras e alíquotas aplicáveis aos demais rendimentos obtidos no exterior.

A transmissão do trust terá natureza de doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do seu falecimento.

Opção de atualização do valor de bens

A pessoa física impactada pelas mudanças poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua DAA (com algumas exceções expressas) para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022 e tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 10%, que deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.

A opção poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito no exterior.

Especificamente para controladas no exterior, a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31 de dezembro de 2022 poderá optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o período de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2023, com pagamento do IRPF à alíquota definitiva de 10%, que deverá ser pago até 31 de maio de 2024.

Possíveis questionamentos

Algumas das mudanças podem vir a ser questionadas, por incompatibilidade com a Constituição Federal, o art. 43 do Código Tributário Nacional e o art. 7º dos acordos bilaterais contra a dupla tributação da renda assinados pelo Brasil.

Para que produza efeitos concretos a partir de 1º de janeiro de 2023, a MP precisa ainda ser convertida em lei no prazo de até 120 dias.